Abaixo um resumo do meu diário de viagem. Foram 900kms a pé da França até Santiago na Espanha. Abraços e bom caminho.
Carlos Eduardo Hoepers
”Porque um dia é preciso parar de sonhar,
tirar os sonhos da gaveta e de algum modo partir”
Amyr Klink
Minha viagem começou em Blumenau-SC as 06:00hrs com meus pais e minha namorada.
Estava tranquilo, nunca havia viajado para outro país, e estava indo sozinho apenas com uma mochila, uma bota Timberland, 3 calças, meias/cuecas, um saco de dormir da Nautika, 3 camisetas, uma blusa, produtos para higiene pessoal e o livro Guia "El camino de Santiago a Pie" da editora Aguilar (recomendo).
O avião saiu do Aeroporto de Navegantes/SC, que fica a uns 50kms de
Blumenau/SC. La estavam um casal de amigos dos meus pais que foram desejar
uma boa viagem. Entrei no avião e ao meu lado sentou uma
moça que estava ao telefone e disse que precisava desligar pois embarcaria pra Espanha. Quando ela desligou
falei que também estava no voo pra Espanha, após
uma longa conversa, chegamos as 10:20hrs em Congonhas.
Dividímos o taxi até Guarulhos, e as 15:30hrs ja estava sentado no avião da Ibéria com destino a Madri. Uma viagem de 11 horas bem cansativa, pois o tempo não passa e o desconforto é muito grande para um cara de 1,90m de altura.
Cheguei no aeroporto Barajas de Madri as 06:00hrs. Um aeroporto muito bonito e bem
grande, não consegui dormir no avião, muito apertado e desconfortável. Me assustei com o aeroporto e a ficha caiu, estava longe de casa, sozinho, sem saber falar Espanhol ou Inglês, comecei a ficar nervoso.
Para ir para a Espanha não precisa de visto, porém podem barrar na chegada. Na hora de carimbar o passaporte o guarda perguntou o que eu estava fazendo na Espanha, respondi: "Caminho de Santiago", ele "onde começa o caminho de Santiago?", eu: "Roncesvalles", ele carimbou o passaporte e fez sinal pra eu seguir.
De longe vi algumas pessoas com mochilas, algumas com bandeiras do Brasil, eram 3 brasileiras que estavam na Espanha para fazer o caminho, a Fátima, a Lu e a Sandra.
As 10:00hrs estava no avião pra Pamplona, um avião de hélice da Ibéria que rangia e cheirava a oleo, parecia um ônibus antigo. Cheguei muito cansado, fiquei em uma pousada onde as brasileiras ja tinham reserva, consegui um quarto pra mim, carimbei o primeiro selo na credencial e fui dormir, isso ja era quase uma da tarde. Devido ao fuso horário e ao cansaço, passei mal na pousada, tive enjoo e tontura.
Após uma noite difícil, eu não consegui dormir muito bem, ainda estava me adaptando a nova realidade.
Tomei café da manhã junto com as brasileiras em uma cafeteria perto da
pousada e em seguida pegamos o taxi para Saint Jean. O dia estava ensolarado e com um céu bem azul, um vento calmo e frio.
A viagem foi agradável e o trajeto muito bonito, uma estrada estreita, bem cuidada e com muita sombra de árvores altas, tipo estrada usada em comercial de automóvel.
Logo que chegamos em Saint Jean procuramos o posto de informação, fizemos a
reserva no albergue de Orisson, almoçamos, tiramos algumas
fotos e finalmente começamos a caminhada no km 1 do Caminho de Santiago.
Saint Jean é uma cidadezinha francesa muito bonita e pequena, com 1470 habitantes. As casas são todas trabalhadas ou em pedra. O caminho começa atravessando um portal de pedras e uma ponte.
Após alguns quilometros, como minhas pernas eram mais compridas, meu ritmo era mais rápido que o das brasileiras, me distanciei e avancei rapidamente serra a cima até chegar no albergue de Orisson. O Guia (Livro "El camino de Santiago a Pie") fala que se você reduzir ou acelerar o seu ritmo para acompanhar alguém, você ficará cansado mais rapidamente, faça o ritmo que seu corpo suporta
O albergue de Orisson é lindo, possui dois andares com um deck na frente com uma vista fantástica dos Pirineus e um bar no andar terreo. Assim que cheguei ja coloquei minha mochila no quarto e fui tomar uma cerveja francesa. Logo chegou as brasileiras e se juntaram para comemorar o primeiro dia de caminhada.
Albergue com janta e café da manhã (poucos possuem serviço isso, na maioria você precisa fazer sua janta e café da manhã), chuveiros quentes. Em meu quarto haviam 3 beliches, onde dormiram a Fátima, Dalva, Lu, Sandra, Eu e a Cristine que era uma senhora francesa de 73 anos que estava no caminho pela terceira vez. Ela me deu de presente um pingente onde se lia "Ô Marie, conçue sans péché, priez pour nous qui avons recours à vous". Esse pingente eu perdi na metade do caminho e alguns anos depois encontrei em uma costura na mochila.
A travessia dos Pirineus é muito linda, mas também é um das partes mais difícil do caminho. Os Pirineus são uma cordilheira que fazem a fronteira entre a Espanha e a França, com picos de até 3400m de altura. Essa região é o lar de ursos, raposas, cervos, ibex, esquilos, entre outros animais. Alguns peregrinos fazem o caminho de Saint Jean até Roncesvalles em um dia, nós preferimos dividir em duas etapas para não ficar muito pesado. O caminho é em parte é uma rua estreita asfaltada, e depois uma trilha com as famosas setas amarelas passando por grandes áreas de pasto com cavalos. Uma vista muito bonita que lembra filmes da idade média. No inverno, quando neva, muita gente se perde nessa parte (inclusive com óbito), pois a neve acaba encobrindo as marcações. Cheguei em Roncesvalles com dores no joelho.
O albergue de Roncesvalles é uma construção antiga, mas bem conservada. Cheguei de baixo de chuva e logo fui comer alguma coisa no restaurante próximo ao albergue.
Em Roncesvalles acessei a internet, mandei emails pro povo no Brasil e vi notícias. Após isso, voltei pro albergue, carimbei a credencial e escolhi a cama, conversei com alguns arranhando um "portunhol". Ao fundo tocava musica CELTA de uma banda chamada LUAR NA LUBRE https://youtu.be/2F9GJEhOEKA
No final da tarde vi a missa na Igreja de Roncesvalles, jantei, e fui
dormir em um dos beliches do albergue, pois os pés pediam ...
Um dos apendizados no caminho é o de que você consegue viver com pouco. No albergue existe uma área para deixar doações, e após 2 dias caminhando com a mochila de 12kg no ombro, eles (os ombros) ja estavam reclamando. Resolvi me desfazer de algumas roupas e reduzir a quantidade de frascos (produtos de higiene).
No final, Roncesvalles foi um dos melhores albergues do caminho, com um clima de castelo. As 6 da manhã começou a tocar canto gregoriano como despertador.
Acordei cedo e comecei a caminhar, andei um bom pedaço com a Fátima, conversamos muito sobre nossas vidas no Brasil. A Fátima mora em Brasilia, casada e mãe de alguns filhos (não lembro quantos). Paramos pra comer em Burguete. Em seguida pegamos chuva, muita chuva, até chegar em Zubiri onde paramos no primeiro albergue que encontramos.
Comemos uma Paella muito boa em Zubiri. Mandei algumas fotos via email pro Brasil. (Em 2007 o acesso a internet era precário no Caminho)
O caminho de Zubiri até Pamplona foi debaixo de muita chuva, parei poucas vezes quando achava algum lugar onde pudesse ficar sem pegar chuva. É um trecho bonito parte por um trilha e parte pelo acostamente de uma rodovia. A entrada em Pamplona é pelas muralhas que são muito belas.
Ficamos no albergue municipal de Pamplona, um albergue muito grande onde fizemos novos amigos, encontramos mais um brasileiro, o Onório e a partir dai um Espanhol chamado Alberto também seguiu com a gente.
Fizemos uma macarronada e tomamos vinho. Dei mais algumas voltas por
Pamplona, comprei cartão postal, tirei algumas fotos e
depois voltei pro albergue e fui dormir.
Pamplona é famosa no mundo todo pela corrida de Touros (Festa de San Fermin), onde soltam touros pelas ruas e os habitantes (usando roupas brancas e lenços vermelhos) correm fugindo deles.
O albergue era bom no geral, a quantidade de banheiros era pouca pra
tanta gente, mas as camas eram confortáveis.
Dormi muito bem, acordei cedo pois nesse dia tinha outro desafio que era o monte do
perdão (Alto del Perdón). Caminhei um pouco com a Dalva, depois com a Fátima e logo me distanciei pela
diferença de ritmo. Conversei com um canadense, depois passei por uma professora boliviana que caminhava junto a um grupo de
jovens americanos, mais a frente passei por um espanhol chamado Pascoal que caminhava com um australiano chamado Dave.
Cheguei no alto do perdão onde possui vários cata-ventos gigantes, ou melhor, usinas eólicas. O som das
hélices que cortavam o vento era assustador. No alto do perdão tem muito vento, tanto que existe um monumento em
homenagem aos peregrinos onde se lê "Donde se cruza el camino del viento con el de las estrellas".
O caminho das estrelas é uma referência ao caminho de Santiago de Compostela, onde compostela é Campo de
Estrela, o céu nessa região possui muitas estrelas.
A descida do alto do perdão é muito difícil, o terreno possui muitas pedras soltas, o risco de
escorregar é grande, por isso é preciso usar sempre o cajado como apoio. Ainda na descida passei por três
finlandeses que seguiam em fila indiana com dois cajados cada, pareciam que esquiavam morro abaixo.
Cheguei no albergue Padre Reparadores, albergue muito bom . Me alojei num quarto com 3 senhores italianos, O Giorgio, outro Giorgio Giacobbe e o Guido Piccon.
Logo em seguida chegaram Fatima e Lu e me transferi pro quarto delas afinal não consegui manter um diálogo contínuo com os italianos. Eles falavam somente italino e eu arranha um "portunhol".
Todos os guias do caminho recomendam conhecer a Ermita Santa Maria de Eunate, construída na segunda metade do sec XII, em estilo romano.
Possui 33 arcos ao redor. Fica a 2kms fora do caminho (4km ida e volta) e como
nossos pés estavam muito doloridos, eu e a Fátima procuramos um taxi, convidamos a Sandra, Dalva e a Lu e fomos conhecer a Ermita, que é muito bonita.
No livro "O diário de um mago" do Paulo Coelho, ele fala que dormiu sob os arcos da ermita.
Depois fui conhecer a ponte Romana de Puente La Reina.
Acordei cedo, comecei a caminhada, em pouco tempo ja caminhava sozinho em direção a Estella. Passei por campos com cultivo de uva em Mañeru e Cirauqui.
Nesse trecho o caminho atravessa algumas pontes medievais e romanas. A chegada em Estella é por uma estrada que passa na frente de uma igreja muito antiga, a Igreja Santo Sepulcro, construída no ano de 1200. Na frente dessa igreja havia um espanhol, o Miguel, que tomava vinho sentado em um banco de frente para o rio. Tomei alguns copos de vinho com ele até a chegada de Fátima.
A cidade de Estella foi fundada no ano de 1090, uma cidade antiga com muita história. O albergue é logo após a igreja. Ele é
muito espaçoso, serve café da manhã e possui poucos banheiros em relação a quantidade
de peregrinos. Como a Fátima demorava a chegar, fui até o correio mandar um cartão postal e encontrei
ela la. A Fátima chegou de taxi, pois estava com muitas dores e por isso ela não passou por mim. Logo em seguida ela
percebeu que havia perdido a carteira com todos os documentos e cartões do banco. Fui com ela até o telefone
publico pra cancelar os cartões, depois voltamos pro albergue pra comer alguma coisa.
Quando chegamos no albergue havia um recado pra ela passar na Policia pois ela havia esquecido a carteira dentro do Taxi e o motorista havia
entregue na polícia (com tudo dentro).
Na saida de Estella havia uma fonte com vinho, onde se pode beber a vontade. Tem trnasmissão ao vivo pela internet, ja havia combinado com a família para me verem ali. Tiramos algumas fotos e seguimos nosso caminho. Mais a frente encontramos uma gaúcha, a Edithe, conversamos um pouco com ela e continuamos até que me separei do grupo.
No meio do caminho encontrei os americanos que descansavam junto com o Alberto, o espanhol, e o Renato de Moraes, um paulista. Sentei com eles, comi chocolate e segui pelos vários campos de cultivo. Esses campos me lembraram o filme GLADIADOR, pois o vento fazia "ondas" na plantação e eu passava a mão na plantação pra "sentir" o vento, da mesma forma que o Maximus (personagem do filme) fez no final do filme quando lembrava da família.
Cheguei em Los Arcos num bom papo com o Alberto. Fui até o albergue, deixei minhas coisas e fui comer. Logo após chegaram a Fátima, Lu, Dalva, Sandra, Renato e o Onório. A Fátima me falou que no dia seguinte ela iria até Viana e eu pretendia ir até Logroño, então combinei com o Renato de sairmos juntos na manhã seguinte.
Acordei bem cedo, fui até a cama da Fátima me despedir dela. Criamos uma amizade forte tanto que ela me chamava de filho peregrino. Nos despedimos com a vontade de se encontrar mais pra frente no caminho. Me despedi da Sandra e dos outros e segui o caminho com o Renato. O trecho até Viana é bem cansativo, em um sobe e desce constante. Após isso fica pior, pois entra em uma área seca. Foram quase 10kms de Viana até Logroño debaixo de um sol muito forte, por uma área seca com muita pedra e barro. Chegamos logo após o meio dia no albergue, deixamos nossas coisa e procuramos um bar onde tomamos uma coca-cola bem gelada e comemos um bocadillo. Voltamos pro albergue e encontramos a gaucha Edithe, combinamos de jantar juntos. Após um passeio pela cidade jantamos em um restaurante muito bom, eu comi uma Paella que estava ótima.
Acordamos cedo e logo começamos a caminhar. A saida de Logroño é por um grande parque onde vários moradores locais passeiam de manhã ou levam o cachorro pra passear, depois o caminho segue uma grande rodovia. Foi uma caminhada demorada debaixo de muito sol até chegar em Nájera. A chegada em Najera nos presenteia com uma vista muito bonita do rio, montanhas ao fundo e muito verde.
Nájera é uma cidade pequena e bonita. Logo que deixei a mochila no albergue ja sai pra procurar uma farmácia, pois precisava de esparadrapo e também de um "Cyber" pra baixar fotos e mandar notícias pro Brasil. Mais tarde comi um bocadillo (sanduíche) e fui dormir. O albergue era razoável, as camas tinham um colchão fino que dava pra sentir a madeira, e os banheiros eram poucos e mal cuidados.
Novamente acordamos cedo. A saída de Nájera é por uma estrada com vários canais ao lado que levam água para irrigação. Parte do caminho é por plantação de trigo e outra parte pelo lado de uma grande rodovia. Chegando em Santo Domingo, havia uma rua com várias paredes de madeira e descobrimos que teria uma corrida de touros, onde eles largam os touros no início da rua e quem é "corajoso" o suficiente corre na frente dos touros. Também tinha um desfile que entrava no albergue. Os organizadores do desfile não deixaram a gente entrar até acabar o desfile pois nossas roupas estavam sujas (pegamos um pouco de pó e lama no caminho).
Nos informaram que era o dia de Santo Domingo e que havia uma festa em homenagem a ele. Aguardamos quase uma hora até acabar o desfile para ai sim entrar e descobrir que o desfile era em homenagem aos peregrinos e por isso entrava no albergue, o estranho é que o desfile era em nossa homenagem mas a gente não podia entrar pois estávamos sujos.
Após entrar no albergue e depois de almoçar encontramos o espanhol Alberto e o australiano Dave, então eu, o Renato, Dave e o Alberto tiramos algumas fotos da cidade e no final da tarde ganhamos vinho, queijo, chorizo dos organizadores da festa. Visitamos a catedral de Santo Domingo onde tem um galo vivo dentro que canta para alguns peregrinos. Segundo a tradição se você entrar na catedral e ele cantar você terá um bom caminho, ou uma benção... ele cantou pra nós.
Quando acordamos havia muito barulho no albergue, os organizadores da festa de Santo Domingo distribuiam uma sopa de cordeiro para os habitantes locais e turistas. O Renato ficou pra comer e eu segui o caminho. Mais pra frente encontrei o espanhol Pascoal junto com o australiano Dave e caminhamos durante um bom tempo, mas pra frente encontramos a Edithe que também caminhou com a gente um pedaço. Depois eu e a Edithe nos distanciamos e chegamos em Belorado. Pegamos o segundo albergue que era melhor que o da entrada. Alguns minutos mais tarde o Renato, Pascoal e Dave chegaram. Almoçamos em um restaurante na frente do albergue e depois compramos comida em um supermercado pra fazer a janta no albergue.
Combinamos de sair juntos no dia seguinte, Eu, Renato e a Edithe.
Acordamos cedo e logo começamos a caminhar. O Renato estava com algumas bolhas nos pés e foi num ritmo mais lento, eu e a Edithe avançamos. O caminho seguia por uma estrada de terra por uma área de reflorestamento e de plantação de trigo. Passamos por ruinas de um monasterio do Sec VI, Monasterio San Felix. O caminho foi com muito vento.
Nossa programação era ir até San Juan de Ortega, onde o padre que cuida do albergue oferece toda noite uma sopa de alho para os peregrinos. Quando chegamos em San Juan, chovia muito, logo entramos no albergue e pelo estado péssimo do albergue (muito sujo) resolvemos continuar até a cidade seguinte. Andamos até Agés onde tem dois albergue muito bons, encontramos o Dave la e o Renato não apareceu. Junto ao albergue havia um bar onde passava a corrida de Fórmula 1 na TV, todos os habitantes do "pueblo" viam e torciam pro espanhol Alonso. A corrida era na Espanha e no final quem ganhou foi o brasileiro Felipe Massa, eu era o único que estava feliz naquele bar. Depois jantei e fui dormir, no mesmo quarto estavam os três italianos que havia conhecido em Puente la Reina, a Edithe ficou um tempo de papo com eles pois ela sabia falar um pouco de italiano.
Acordamos cedo e caminhamos até Burgos boa parte por uma trilha e depois por uma calçada. Burgos é a capital da provincia de mesmo nome e com isso andamos quase 10kms por dentro da cidade, o que é muito cansativo e parece que o tempo não passa. Eu e a Edithe fomos direto pra catedral que é muito famosa e por um desencontro me perdi dela. Visitei a catedral e na saida encontrei o Renato, fui com ele até o albergue e depois voltei até um supermercado pra comprar comida. Sobre os albergues nessa parte do caminho, o livro guia falava "Muchas opciones, ninguna buena". Burgos é uma cidade do ano 884 e a catedral começou a ser construída em 1221.
O albergue possuia poucos banheiros, a água do chuveiro era gelada e o lugar para lavar as roupas era uma calha. Em compensação ele ficava no meio de um grande parque e as camas eram boas. No parque havia uma placa dizendo que era proibido fumar segundo um "Decreto Real", só nesse momento me lembrei que a Espanha era uma monarquia, que é uma forma de governo de um passado distante pra nós brasileiros. Encontrei um casal romeno e tentei manter uma conversa com eles. O senhor romeno sabia falar um pouco de inglês, um pouco de latim, espanhol e com isso eu com meu "portunhol" mantive uma conversa de quase uma hora com ele. Depois o Renato voltou e conversamos, ele me falou que ficou no albergue de San Juan de Ortega e comeu a famosa sopa de alho, mas disse que não achou alho na sopa, era só água quente com pão.
Eu, Renato de Moraes e Edithe Tremea acordamos cedo, caminhamos até Hontanas contando piadas, rindo, cantando músicas atuais e sertanejas antigas. O sol estava forte, pouco vento e o caminho era uma grande reta com plantações dos dois lados. Hontanas surgiu do nada, em uma baixada. Caminhamos por muitos kilometros por uma planície sem nada e de repente aparece Hontanas no meio do "deserto", em uma área seca e rochosa.
Logo que chegamos em Hontanas, ja reservamos nossas camas no primeiro albergue. A cidade é muito pequena, não passa de 30 casas, na parte de baixo do albergue tinha um bar onde eu e o Renato sentamos e pedimos uma coca-cola com muito gelo e depois ficamos um tempo bebendo "San Miguel" que é uma cerveja espanhola. Encontramos os três italianos e mais dois brasileiros no mesmo albergue, outro chamado Renato e o amigo dele, Alexander. Em seguida chegou o Dave, Pascoal e uma austríaca chamada "Brigitte Noisternig" que tentava me ensinar a pronunciar corretamente o nome dela, mas não consegui. Em alguns minutos ja estávamos todos na mesma mesa rindo e conversando até o final da tarde. Na mesa ao lado da nossa havia um casal de espanhóis, o Pepe e a Ana que depois se uniram a nossa roda de conversa. Também vimos um outro casal, de brasileiros, o Carlos e a esposa dele, a Massayo.
Começamos a caminhar cedo, sol ja amanheceu forte. Passamos
por uma antiga fortaleza templária que atualmente é um albergue.
Após alguns kilometros o Renato sentiu muitas dores nos
pés e resolveu parar pra tomar uma coca-cola, a Edithe parou com ele e eu segui. O caminho estava relativamente tranquilo, apenas
estradinhas que cortavam plantações, mas o Sol estava muito forte e comecei a sentir fraqueza, como minha
água estava no fim e o meu mapa mostrava que estava bem próximo da meta do dia, avancei rapidamente até
chegar no albergue. Pouco antes de chegar havia uma árvore próxima a estrada, a única em muitos kilometros,
e ela fazia uma grande sombra em cima da estrada e na sua sombra estavam muitos carneiros (cordeiros como chamam la), pra passar somente
com a licença deles.
O albergue, pelo lado externo parecia uma casa caindo e mal cuidada, mas logo que entrei tive outra visão, uma casa muito bonita,
com um gramado bem verde e uma decoração bem feita. Um senhor que parecia o hospitaleiro viu a bandeira do Brasil em
minha mochila e disse "Brasileño" e eu "Si" e ele prontamente respondeu "Soy Argentino".
O nome dele é Hugo, dono do albergue, contou que fica 9 meses la e no inverno europeu ele fecha e fica 3 meses em Balneário Camboriú, no Brasil. Ele tinha um ajudante, chamado Dudu, que era um espanhol que ja havia morado no Brasil, então falava português muito bem. Encontrei a espanhola Ana e o Pepe, além da austriaca também. Jogamos conversa fora e logo chegou o Renato e a Edithe. Ficamos novamente de papo até a janta, e depois cada um pra sua cama que no dia seguinte tinha mais estrada.
Acordamos bem cedo, o Renato resolveu tomar café no albergue e eu e a Edithe seguimos viagem. Passamos por um canal de água (Canal de Castilla) em Frómista, o caminho atravessa ela por uma passarela. O canal possui 207km e foi construído no sec XIII
Quase 20kms são pelo lado de uma rodovia. Haviam vários marcadores no caminho e a cada 1km havia uma marcação de kilometragem na estrada, então com o tempo a gente caminhava até alcançar a marcação seguinte, e isso deixava o caminho nervoso pois andávamos um monte até a marcação e la marcava que ainda faltavam x kilometros. Eu e a Edithe resolvemos então contar quantos passos a gente dava em um kilometro. Eu contei 1263 passos a cada kilometro, isso no caminho inteiro dava um total de 1.010.400 passos.
Chegamos no albergue, deixamos nossas coisa e procuramos um restaurante, tambem fui no banco sacar dinheiro. Encontrei o espanhol Miguel, o Carlos e a Massayo, a Ana e o Pepe, os três italianos e mais tarde o Renato. Eu e o Renato procuramos um bar onde tinha internet, baixamos fotos e mandamos pro Brasil enquanto passava uma tourada na TV. O bar estava lotado e o povo vibrava a cada corte com espada que o toureiro fazia no couro do touro. Algo bem estúpido, mas é a tradição deles, eu e o Renato torcemos para o touro, mas no final ele perdeu. Após isso voltei pro albergue, jantei e fui dormir.
Começamos a caminhar cedo, o Renato e a Ana ficaram pra trás devido a dores nos pés. Seguiram eu, Edithe e o Pepe. Os primeiros kilometros são bem cansativos pois são 17kms sem nada, apenas pedras e areia, clima seco e pouco verde, muito diferente do início do caminho nos pirineus. Chegamos a cidade, que mais parecia uma cidade abandonada. O albergue é muito bom e espaçoso.
Eu, Renato e a Edithe ficamos um tempo bebendo cerveja em um terraço, depois usamos a internet, fizemos compras e mais tarde jantamos com os três italianos, e o Pepe.
No final da tarde surgiu um monte de pássaros que "brincavam" nos arredores do albergue. Após ver durante um tempo essa cena, fui dormir.
Acordei bem cedo. No meu quarto havia uma senhora alemã com uns 70 anos, o
filho dela, o Pepe e a Edith. Enquanto me arrumava e amarrava o cardaço da bota, olhei pra cima e vi a senhora
alemã trocando toda a roupa sem se preocupar com a minha presença. Desci a escada e fui comer alguma coisa na
área externa do albergue enquanto esperava a Edithe e o Renato. Nisso apareceu um cachorro, dos grandes, e com uma cara de
fome, não parava de olhar pro meu bolo. Dei um pedaço pra ele e vi que ele queria mais, após
fazer o desjejum meu e do cachorro, segui viagem.
Logo no início o Renato sentiu muitas dores nos pés e avisou que iria mais devagar. Combinamos de ir
até El Burgo Ranero, seguimos viagem, eu, Pepe e Edithe.
Caminhamos sempre próximo a uma rodovia, caminho tranquilo e leve.
Com algumas paradas pra fotos e descanso. Numas das paradas o Pepe esqueceu a máquina fotográfica e lembrou apenas alguns kilometros pra frente, por sorte veio um carro da polícia, ele contou o que havia acontecido e os policiais foram buscar a máquina pra ele.
Chegamos no albergue, encontramos os italianos la. Conversamos e batemos papo, o tempo passou e o Renato não chegou, o que nos deixou preocupado.
Passamos em um supermercado, compramos nossa janta, almoçamos em um restaurante. Mais tarde o hospitaleiro deu dicas do restante do caminho para todos os peregrinos presentes. O albergue era bom, novo, mas era pequeno, gerou fila no banheiro pois eram poucos para a quantidade de peregrinos. A noite choveu muito.
Começamos a caminhar cedo, o dia se mostrava claro e com Sol forte. O caminho sempre ao lado de uma rodovia, até que na metade do caminho o tempo fechou e começou uma leve chuva. Após alguns kilometros a chuva era intensa, e molhava tudo. Eu, Edithe e Pepe aceleramos o passo na entrada de León, até chegar ao albergue onde todos secavam-se e secavam seus pertences. A chuva foi muito forte que nem a capa de chuva deu conta.
Depois de tomar banho e esperar a chuva passar, procuramos algum lugar pra almoçar e partimos para conhecer a famosa catedral de León.
Famosa pelos seus 1800 m2 de vitrais. É um local mágico, ficamos um tempo la sentados, sem tirar os olhos dos vitrais e da construção. Me senti muito bem nessa catedral. Ela foi inaugurada no ano de 1205, mais antiga que o Brasil. Fiquei um tempo em "devaneios" pensando quanta gente ja tinha passado por la e visto aquela beleza, quantas histórias aquelas paredes conheciam... A chuva logo voltou a cair e voltamos para o albergue.
No albergue onde encontramos os três italianos (Giorgio, Giorgio Giacobbe e Guido Piccon), agora eu ja conseguia conversar alguma coisa com eles. E quando eu via eles longe ja gritava "Ola Italia" e eles "Ola Brasil".
Jantamos no refeitorio do albergue e andamos até a igreja, anexo ao albergue que é mantido por freiras. Elas fizeram uma oração e uma benção aos peregrinos. O Renato não apareceu. A internet era precária e não tinhámos como saber se ele estava bem ou com algum problema.
Acordamos cedo, nos despedimos do Pepe pois ele iria voltar pra casa. Os espanhóis fazem apenas um trecho do caminho por vez, devido ao curto tempo de férias.
O caminho margeava uma rodovia e cortava algumas cidades pequenas. Numa delas, em frente a uma casa, havia uma cesta com doces, balas e
bolachas com uma placa onde se lia que eram doações para os peregrinos. Veio em boa hora
aquelas bolachas, eu e a Edithe paramos e pegamos algumas.
Chegamos em San Martin, garoava. O albergue era bom, tinha acesso a internet grátis, baixei muitas fotos, mandei recados pro
Brasil, e um email pro Renato perguntando onde ele estava e para onde nós íamos. Havia um email dele onde ele contava
que estava bem e que devido aos pés teve que parar e por isso estava uma etapa atrás da gente. Mandei um email pra
Fátima e um pra Sandra. A Edithe fez amizade com três italianas que estavam la, eu não entendia
nada do que elas falavam. Mais tarde fui dormir com o som da chuva ao fundo.
Acordamos cedo com o desespero de uma peregrina que dizia que haviam roubado o cajado dela. Caminhamos por estradas, agora longe da rodovia. O caminho subia e descia constantemente. Passamos por uma cidade chamada "Hospital de Orbigo" onde todo ano tem uma festa medieval com um campeonato de "Justa", onde cavaleiros se enfrentam com lanças.
Após alguns kilometros chegamos em Astorga. Na entrada de
Astorga encontramos o espanhol Miguel na frente de um albergue, disse
que era o hospitaleiro daquele albergue. Andamos mais e ficamos no
albergue público, quase na frente da catedral.
Astorga é uma cidade muito bonita, construída
dentro de uma muralha, alguns registros datam de 14 A.C.. Tanto a catedral como o palácio
Episcopal (do arquiteto catalão Antoni Gaudí) são muito belos.
Depois de deixar as coisas no albergue, andamos pela cidade pra tirar algumas fotos, inclusive da muralha, e voltamos até o centro onde havia uma pizzaria. Estava com saudades de pizza. Próximo a pizzaria encontramos o outro Renato (Jose Renato de Ponti) e o amigo dele, Alexander. Eles vieram um trecho de ônibus, até alcançar a gente, pois estavam com muitas dores.
Nossa etapa nesse dia era até Rabanal Del Camino, o caminho quase todo era de subida, em uma serra. Pegamos uma garoa na metade do caminho e logo depois virou chuva. Quando chegamos em Rabanal de Camino perguntei pra Edithe se ela queria continuar, afinal chegamos muito cedo em Rabanal e eu não estava cansado ainda. Ela a princípio não queria pois Foncebadón é uma cidade mística, alguns chamam de cidade fantasma, mas logo ela concordou em ir. Pegamos bastante chuva nos 6kms que separam as duas vilas e chegamos em Foncebadón. Quando eu vi a placa e a entrada, entendi o porque era chamada de cidade fantasma. A cena era uma placa no meio da neblina e mais ao fundo uma cruz que aparecia no meio da névoa, os únicos sons eram os latidos de um cachorro e o som da chuva na terra que formava córregos ao lado da estrada. Foncebadón fica a 1400m de altitude.
Entramos no albergue e encontramos os italianos, parecia que seguiam a
gente pois nos encontrávamos com eles com muita facilidade. Falei pra Edithe que seguiria até a cruz de ferro e depois
iria voltar. Deixei minha mochila no albergue e fui.
Fui até a cruz de ferro (fica a 1500 metros de altitude e estava muito frio), deixei a pedra que levei do Brasil, fiz uma oração e voltei pro albergue. Eu estava
todo molhado e com muito frio. Tomei um banho, sequei as roupas, almocei. Na metade da tarde o céu abriu, veio um sol e a
Edithe resolveu conhecer a cruz de ferro, fui com ela até la. Depois voltamos, jantamos e fui dormir. Antes de dormir o dono do
albergue fez uma proposta, perguntou se eu não gostaria de trabalhar la. Falei que iria pensar no restante do caminho e dava uma
resposta via email. Ele me ofereceu mil euros (perto de um salário mínimo na Espanha na época).
No livro "Diário de um Mago" do Paulo Coelho, ele enfrenta um cachorro em Foncebadón, cachorro que representa os medos dele entre outras coisas...
Acordamos cedo, e seguimos por uma picada que leva até a cruz de ferro, onde avistamos os italianos, e como de costume gritei "Ola Italia", e eles se viraram e gritaram "Ola Brasil". Segundo a lenda, você precisa levar uma pedra da sua terra natal e deixar aos pés da cruz de ferro , por isso a montanha de pedra. Tiramos algumas fotos e seguimos caminho, agora com destino Manjarín onde mora o Thomas, considerado o último cavaleiro templário de Ponferrada. Ele mora em uma casa sem energia elétrica, na verdade a única casa em pé de Manjarín, as outras todas estão em ruínas e não mora mais ninguém la. Compramos alguns medalhões templários, camisa, adesivos e continuamos a caminhar.
Descemos alguns kilometros e chegamos em El Acebo. Um povoado que parecia abandonado no meio de uma montanha. Paramos em um bar movimentado onde tinha pra vender o Bocadillo da Casa. Como vi várias pessoas que comiam o tal do Bocadillo da Casa, resolvir pedir um para experimentar. Parecia um pão mergulhado no azeite, me embrulhou o estomago o resto do dia.
Um pouco antes de Ponferrada, passamos por Molinaseca, cidade pequena e
muito bonita, e depois por algumas plantações de Cereja, onde comi algumas direto das árvores.
Nunca havia comido cereja que não fosse em conserva, e gostei muito. Em Ponferrada,
ficamos no albergue municipal. Bem amplo e muito bom. Visitamos o
castelo Templário de Ponferrada, infelizmente estava fechado para reformas. A catedral, onde tinha uma exposição de obras sobre o caminho.
Segundo a lenda, Ponferrada se chama assim pois no ano de 1082 uma ponte de madeira que existia la foi reforçada com ferro. Ja o castelo templário é do ano 1282.
Depois voltamos pro albergue, acessei a internet, mandei fotos, mandei um email pro Renato, jantei e fui dormir. Em meu quarto dormiu um casal
alemão e um senhor português.
Acordamos cedo e caminhamos um bom tempo até sair de Ponferrada. Em determinado momento as setas do caminho sumiram e a
gente como outros peregrinos ficamos em uma rotula recém construída a procura da direção
correta até que uma peregrina achou e deu um berro chamando a todos (Ainda não existia smartphone com GPS). Passamos por várias
plantações de cereja e sempre pegamos algumas pra comer. Encontramos os três italianos no caminho e o Giorgio,
o mais velho, reclamava muito de dores nas pernas, provavelmente tendinite. Peguei um anti-inflamatório (Tandrilax) e entreguei pra ele,
na Europa não da pra comprar nas farmácias sem ter receita e por sorte eu levei uma quantidade boa. Quando eu sentia
dor nos joelhos eu tomava um e no dia seguinte estava tudo bem.
Chegamos em Villafranca, deixamos as coisas no albergue, procuramos um restaurante e depois visitamos a cidade. Usamos a internet em uma
loja de informática, compramos comida no supermercado e voltamos pro albergue.
Ao lado do albergue tem uma igreja, com a famosa porta do perdão. A séculos atrás um papa
determinou que os peregrinos que chegassem enfermos em Villafranca, teriam o direito de passar pela porta do perdão (porta
lateral da Igreja de Santiago em Villafranca) e todos os pecados estariam perdoados, não passamos pois a porta estava trancada.
O caminho de Villafranca até Vega de Valcarce é todo por uma rodovia desativada, a rodovia nova passa por cima em um grande viaduto de alguns kilometros, sendo assim o caminho, apesar de ser no asfalto, é tranquilo pois raramente passa um carro. Chegamos cedo em Vega de Valcarce onde tem um albergue cheio de bandeiras do Brasil, ele estava fechado ainda e por isso aguardamos até abrir. Depois de alguns minutos veio um senhor chamado ITABIRA, que em bom português falava que era o dono do albergue e pediu minha ajuda, para que eu carimbasse as credenciais de quem pedisse e meu deu o carimbo, fiquei muito feliz em poder ajudar. Logo após ele abriu o albergue e ficou de papo com a gente. O atendimento do Itabira é ótimo e o albergue é muito bem estruturado, recomendo! Albergue Nossa Senhora Aparecida.
Em um determinado momento apareceu muitos peregrinos ao mesmo tempo e ele novamente pediu minha ajuda, para mostrar os quartos e banheiros ao peregrinos que entravam enquanto ele fazia o cadastro, foi divertido. No meio da tarde eu e a Edithe saimos pra passear, passamos em um mercado e compramos comida, visitamos as ruinas do castelo Sarracin, provavelmente do ano 714, que fica 1km distante do albergue e retornamos para a janta, que era uma deliciosa feijoada no próprio albergue.
Acordamos, estava um dia frio e tempo feio. Começamos a caminhar e não deu 15 minutos começous a garoar. Coloquei quase todas as camisas que carregava comigo (3 camisas) e a blusa e mesmo assim cotinuava frio. Subíamos o conhecido Cebreiro, serra alta e último obstáculo antes de Santiago.
Quanto mais subia mais frio ficava e mais forte era a chuva, nosso objetivo era chegar em Fonfría. Após passar pelo Cebreiro a chuva ficou muito forte, gelada e com muito vento. A minha calça molhou completamente assim como a mochila. Os kilometros até Fonfría não passavam nunca, acelerei o passo e me distanciei da Edithe. Uma hora depois a minha mão esquerda não dobrava mais e a da direita não abria, pois segurava o cajado. Acelerei mais ainda o passo, pra ver se esquentava. A temperatura estava perto de 0 graus, minhas mãos não mexiam, minha roupa toda molhada e comecei a ficar nervoso. Passou mais uns 45 minutos e cheguei no albergue de Fonfría. Quando entrei no albergue o hospitaleiro viu meu estado e antes que eu falasse algo ele disse pra entrar, tomar um banho, secar a roupa e depois voltar pra fazer o cadastro, e assim eu fiz. O albergue é ótimo, água do chuveiro bem quente, com aquecedor nos quartos, secador de bota e tênis, lavadora e secadora de roupas, era quase um hotel. Pra mim esse foi o pior dia de caminhada, o mais frio e assustador, porém um dos melhores albergues que fiquei.
Acordamos cedo, e descemos até Triacastela para tomar um chocolate quente, em seguida continuamos o caminho, sempre nos guiando pelos sinais, setas amarelas pintadas no chão, arvóres, placas,...
Na metade do caminho abriu o sol e encontramos uma senhora italiana com
quem a Edithe conversava. Ela se chamava Helena e era de Veneza. Elas conversaram durante um bom tempo e eu mais a frente sem entender nada,
depois se despediram e avançamos, o ritmo da italiana era um pouco menor que o nosso.
Em Sarria ficamos no primeiro albergue, muito bom, com quartos novos, banheiros limpos. Demos uma volta na cidade, compramos comida, usamos a
internet e voltamos pro albergue. Ficamos um tempo no sol pra se aquecer e mais tarde fui dormir pra me recuperar do dia anterior.
Saímos cedo de Sarria, em direção a Portomarín. Caminhamos por várias trilhas, encontramos os três italianos e caminhamos quase juntos até o marco que mostra que faltam 100kms pra Santiago.
Eu e a Edithe paramos pra comer e logo em seguida continuamos e alcançamos os italianos novamente, andamos até Portomarín por várias estradas de terra.
Em Portomarín decidimos continuar a caminhar pois ainda era muito cedo pra parar, e assim caminhamos até um povoado chamado Gonzar, que cheirava a merda de vaca. Ficamos no albergue, que era péssimo, tinha apenas um bar ao lado que tinha um cheiro péssimo e muitas moscas. Comi pouca coisa e comprei vários produtos industrializados que vinham em pacotes fechados (biscoitos, salgadinhos,..), assim o risco de ter algum problema era baixo.
Caminhamos por vários bosques, as vezes chovia, as vezes
abria um Sol bonito, isso fazia com que a gente colocasse e tirasse a capa de chuva o tempo todo, tendo que tirar a mochila e assim
forçar a coluna. Num determinado momento senti uma dor muito forte na coluna, continuei a caminhada e a dor piorou. Parei, tirei a
mochila, descansei um pouco, joguei as garrafas de água fora (uma garrafinha de 500ml em cada lado da mochila, ou seja, joguei 1
kilo fora), tirei mais algumas coisas e joguei fora (laranja, biscoito). Depois disso consegui continuar o caminho e a dor passou com
o tempo.
Em boa parte do caminho passamos por vários "Horrios" que são estruturas que guardam cereais longe do alcance dos
ratos. Na galícia tem muito gado e plantação de milho e com isso tem muito rato e
horrio.
Chegamos em Melide, andamos até o albergue público, o pior de todos, banheiros muito sujos, chuveiros sem porta, predio mal cuidado, além de poucos banheiros pra muita gente. Superada as dificuldades, procuramos um mercado pra comprar comida, depois uma loja de informática pra mandar notícias. Eu a partir desse dia não mandaria mais notícias pois queria chegar de surpresa no Brasil. Depois procuramos a "Casa Ezequiel", muito famosa por servir Polvo. Entramos, pegamos uma mesa, percebemos que o chão estava sujo, muito sujo e vimos que os funcionários quando limpavam uma mesa, apenas passavam um pano e jogavam os restos de comida pro chão e ali eles ficavam. Acho que limpeza não é o forte de Melide. Logo em seguida chegou os italianos, eles sentaram a mesa com a gente e comemos o famoso Polvo de Melide. Pra mim o polvo não tinha nada de mais, era bom, mas os italianos faziam uma careta de quem saboreavam um produto divino, cada um com seu gosto.
Saímos cedo do albergue e pegamos a direção errada, felizmente andamos apenas uns 200
metros, estavam eu, Edithe e os três italianos. Após corrigir a rota, seguimos para Santa Irene. O Giorgio
feliz que a perna dele havia melhorado com as "pastilhas" (como ele falava) de anti-inflamatório (Tandrilax) que dei pra ele.
O caminho passava por vários bosques, pegamos um pouco de chuva e sol.
Chegamos em Santa Irene bem cedo. Ficamos no albergue público, na saída de Santa Irene. Assim que os
italianos chegaram, voltamos 1 km até o restaurante, almoçamos e retornamos ao albergue.
Fiz algumas anotações, jantei coisas que restavam em minha mochila e um bocadillo comprado próximo ao
restaurante e depois fui dormir.
Acordamos cedo e seguimos pra Santiago, primeiro passamos pelo Monte do
Gozo, de onde se vê toda a cidade de Santiago de Compostela. Encontrei a senhora italiana, amiga da Edithe, a Helena, e ela me
perguntou onde estava minha "madre", não entendi direito e disse: "a Edithe?", E ela confirmou, ai disse que não era minha
"madre", que havia conhecido ela no caminho e ela disse que a gente parecia mãe e filho, e realmente parecia.
A entrada da cidade é muito bonita, mas pros peregrinos falta sinalização, eram raros os momentos onde se
achava uma placa que sinalizava o caminho até a catedral, tivemos que parar pra perguntar várias vezes como chegar na
catedral.
Assim que chegamos tiramos fotos e entramos pra participar da missa que começava ao meio-dia. A catedral fica lotada de peregrinos, todos cansados e felizes por chegarem. A missa é muito bonita, algumas orações são feitas em 7 línguas e é impossível conter a emoção de estar ali, de ter finalizado os quase 900kms a pé. A catedral foi construída entre os anos de 1075 e 1128 em estilo românico, na época das cruzadas. Segundo a tradição cristã, é onde esta enterrado o apóstolo de Jesus chamado Tiago (San Tiago) (para a história completa, clique no menu HISTÓRIA). Assim como na catedral de Leon, também senti uma energia muito forte nessa catedral e fiquei durante um bom tempo apreciando a sua beleza.
Depois da missa saimos para comprar lembranças, alugar uma
quarto em uma pousada, pegar a "Compostela", que é o certificado que os peregrinos ganham quando mostram a credencial que
foi carimbada nos albergues por onde passou.
Visitamos museu, parque, estação de trem, e a própria cidade milenar que possui muitos prédios
históricos. Comprei uma espada medieval, punhal, lembranças... Depois verificamos o ônibus para
Finisterre pro dia seguinte. Passamos nos correios pra retirar o que despachamos no início do caminho, almoçamos,
jantamos, mais fotos, reencontramos pessoas que conhecemos no caminho... dia muito corrido e agitado até que escureceu e o
sono bateu.
Acordamos tarde, participamos da missa no sábado ao meio-dia
e em seguida pegamos o ônibus pra Finisterre. A viagem é enjoativa pois é muita curva, mas a vista
é muito bonita. Chegamos em Finisterre e o albergue estava lotado, por sorte havia uma senhora que alugava quartos e conseguimos
alugar 3 quartos na casa dela, havia um rapaz italiano que ouviu a conversa e seguiu junto com a gente.
A cidade é muito bonita e é o ponto mais ocidental da Europa, o nome é Finisterre que significa "Fim
da Terra", quando pensavam que a Terra era plana, era ali que Ele acabava, pois era o ponto mais a oeste conhecido, depois era só mar.
Depois de deixar as coisas na "pousada", procuramos um supermercado, demos uma volta na praia e em seguida andamos em direção ao Farol de Finisterre onde a vista é linda. É um costão muito alto onde você só escuta a força das ondas quebrando nas pedras la em baixo.
Acordamos, pegamos o ônibus, e chegamos na Catedral de Santiago bem na hora da missa do meio-dia. Reencontramos os italianos Giorgio, Giorgio Giacobbe, Guido Piccon, o Renato De Moraes, a Bigitte Noisternig, Tommaso Gallo, o Carlos e a Massayo, outros tantos peregrinos que não conversamos mas que vimos várias vezes nos albergues. Eram todos cumprimentando-se e parabenizando-se por ter chegado. Sentamos em um bar para beber e comemorar. O garçom e a atendente do bar eram brasileiros.
Depois me despedi dos meus grandes amigos, Renato De Moraes e Edithe Tremea com a
certeza e promessa de nos rever um dia no Brasil.
Peguei minha mochila, minha espada e andei até a estação de trem. Quando cheguei la descobri que
todos os trens para Madri estavam lotados. Então fui até a rodoviária, que é do outro lado
da cidade, e a mochila com peso em dobro, pois estava com tudo o que comprei. Cheguei na rodoviária e o atendente falou que
não tinha mais vaga pra Madri mas tinha pra La Coruña e de la pra Madri, então comprei essas
duas passagens e fui até La Coruña e la troquei de ônibus, peguei um pra Madri que levava até o
Aeroporto.
Adiantei minha passagem sem problemas na Ibéria, mas me
cobraram uma taxa de 100 euros, despachei minha espada (chamei a atenção por um tempo, pois estava em um aeroporto muito movimentado, com cara de cansado e com uma espada na mão), esperei o avião e embarquei. Novamente um avião apertado da
Ibéria e agora com 3 crianças que brincavam atrás de mim nos bancos durante as 11 horas de viagem.
Cheguei em Guarulhos as 18:20hrs e ja fui no balcão da GOL adiantar minha passagem, consegui adiantar pra 20:30, paguei uma taxa
de 100 reais. Aguardei uma hora e fui fazer o check-in. Pra minha surpresa o funcionário da Gol falou que a moça não tinha adiantado a passagem, mostrei pra ele o recibo de pagamento da taxa, que tinha data e hora (de uma hora atrás)
e ele foi verificar. Após 10 minutos voltou e disse que a moça não tinha confirmado, mas que agora ele tinha feito, só tinha um problema, o voo das 20:30 estava lotado, somente as 23:30. Reclamei, falei que chegaria em
Florianópolis depois da meia noite e não teria como eu ir pra Blumenau, então ele escreveu no sistema que a Gol pagaria um taxi pra mim. Fiquei feliz e no aguardo.
Em plena crise aérea, o voo saiu somente as 1:30.
Cheguei em Florianópolis 2:30, quando fui até o
balcão da Gol reclamar o meu taxi, pra minha infelicidade, acaba a energia no aeroporto e com isso os micros desligam. Tive que
explicar tudo pro atendente da Gol e ele fez uma cara de quem não acreditava, mandei ele ligar pra São Paulo ja
que ali estava sem sistema, ai ele pagou o taxi e cheguei em Blumenau 4:30.
Toquei a campainha de casa, o meu cachorro pulava de alegria, mais de um mês sem me ver, e em casa ninguém vinha abrir o
portão. Apertei a campainha durante um tempo até que perceberam que não era um bêbado mau vestido e sim
apenas um peregrino que voltava pra casa :)
“Percorrer
muitas estradas, voltar para casa e
olhar tudo como se fosse pela primeira vez”
Thomas S. Elliot
Após a ressureição de Cristo, os apóstolos seguindo a orientação que o Senhor lhes transmitiu na terceira aparição, saíram da Judéia para espalhar suas palavras em terras desconhecidas. Tiago, filho de Zebedeo e Salomé e irmão de João "O Evangelista", frustrado com as constantes perseguições que sofreu Cristo e que continuava atingindo todos os demais cristãos, decidiu pregar em Finisterrae um lugar muito remoto onde não haviam perseguições aos cristãos. Esta região, a mais a oeste da Europa, era então considerada o fim do mundo, daí o seu nome. Após uma longa jornada, em um pequeno veleiro que praticava o comércio em todo o Mediterrâneo, chegou a Iria Flávia, cidade na qual conseguiu vencer várias dificuldades iniciais e à partir da qual iniciou seu trabalho de evangelização entre os povos da região. Após seis anos de pregação, decidiu que era hora de voltar à Palestina a fim de contar o que tinha conseguido e trazer mais evangelizadores à Hispania. O retorno foi muito difícil e dois anos depois finalmente aportou em Jafa e seguiu para Jerusalém.
Nesta época os judeus eram regidos por Herodes Agrippa, que levou as perseguições aos judeus às últimas conseqüências. Após um curto período de pregação, Tiago foi preso e sentenciado à morte por decapitação e abandono dos restos mortais às feras do deserto. Cumprida a sentença, os seus irmãos de fé conseguiram recolher o seu corpo, que foi embalsamado e transportado de volta à Hispania por Teodoro e Atanásio, dois discípulos convertidos em Iria Flavia. Uma vez de volta a Finisterrae, Tiago foi sepultado em um bosque de difícil acesso que recebeu o nome de Libredunum. À partir de então gerações de eremitas se revezavam na tarefa de velar o túmulo do Apóstolo. Passaram-se quase setecentos anos, quando em 822, dois camponeses acreditaram ter visto muitas luzes vindas de um bosque êrmo. Alertado, o Bispo Teodomiro empreendeu uma viagem ao local e lá encontrou o eremita Pelayo que lhe relatou que velava o túmulo de Santiago, todo envolto por luzes. A notícia foi rapidamente levada ao rei Afonso II que mandou construir uma capela e um monastério, tornando-se o primeiro peregrino a visitar o local. Assim nasceu um dos mais importantes centros de peregrinação: o Caminho de Santiago de Campo Estela. À partir de 845, começaram a chegar os primeiros peregrinos e já em 862 o local não suportava mais o fluxo de fiéis, o que fez com que os restos mortais fossem transladados para Santiago de Compostela. Em 1075 deu-se o início da construção da atual catedral. No século XI, o caminho partia de quatro cidades da França: Tours, Vézelay, Lê Puy até Ostabad e de Arlés até Somport. Devido à importância que o Caminho adquiriu, em 1135, o Papa Calixto II, incumbiu o frade Aimeric Picaud de escrever uma obra a respeito, tendo sido produzido o Líber Sancti Jacobi, em cinco volumes. Um dos volumes descreve pormenorizadamente o caminho, sendo considerado o seu primeiro guia.
Com o fim da Idade Média, o Caminho de Santiago perdeu a sua importância e foi gradativamente esquecido. Somente no século XX, ele foi novamente resgatado e começaram as peregrinações modernas. O Caminho de Santiago foi declarado Conjunto Historio Artístico em 1962, é considerado Patrimônio Cultural Europeu pela Unidade Européia e Santiago de Compostela foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade em 1962.
(Fonte: www.santiago.org.br/historia.htm )
Para qualquer questão, dúvida, informação, envie um e-mail
Email: cadsite@hoepers.com.br